sábado, 3 de março de 2012

Labor

Não disponho, como os poetas consagrados, de condições para financiar o vagabundear. Não comprei o ócio, como aquele senhor inútil, pelo qual tenho o maior respeito. A minha vadiagem é exercida de maneira informal. Minha atividade de vagabundo é ilícita e me custa o pouco que ganho nos turnos em que carrego coisas. 
E aí estão as coisas a pensar os homens. Ruminando suas verdades, procuram para nós um sentido. A minha prosa é marginal e se enleva socialmente por qualidade de estilo. Trata-se de uma ascensão forjada, continuo em andrajos quando se termina o ópio. Não disponho de tempo para ressacas: ao surgir a aurora tenho que estar em posição de carregar as coisas outra vez. E como um homo laborans, invisível socialmente, vou aprendendo com as coisas que carrego a pensar os homens.
Por anos a fio os homens me vêem carregando as mesmas coisas. Me julgam na labuta estagnado. E eu, no anonimato que me é concedido, simulo um riso no canto da boca de quem vos escreve impiedosamente. E o meu maior deleite é escrever vossas mulheres enquanto se ocupam em fazer dinheiro para comprar mais coisas, para que eu as carregue enquanto penso-vos. Estes pobres homens ricos.
Mas basta de carregar as coisas. Já é hora de elas pensarem por si próprias.

2 comentários:

  1. Se procurar bem você acaba encontrando.
    Não a explicação (duvidosa) da vida,
    Mas a poesia (inexplicável) da vida.
    Carlos Drummond de Andrade

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  2. "...Ei você,
    Você me ajudaria a carregar a pedra?
    Abra seu coração, estou indo para casa
    Mas isso era apenas fantasia
    O muro era muito alto, como você pode ver
    Não importava o quanto ele tentasse, ele não conseguia se libertar
    E os vermes comeram seu cérebro..." Pink floyd

    E você já deu vários passos para se tornar um homem como todos os outros,daqui a mais alguns estará igual a "todos eles"!

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"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)