sábado, 23 de outubro de 2010

Cortejo

Ao teu mundo.
..."tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento"...

À despeito da literaturidade do que é lido sempre é suscitado um tanto de ceticismo... culpa da maldita teoria literária que se propõe analisar toda construção estética como trabalho da linguagem subjugando a mimesis daí proveniente... culpa daqueles malditos eruditos gregos da antiguidade, culpa desses pretensos críticos literários pós-modernos e, neste caso específico, culpa daqueles formalistas russos que enchiam a cara de vodca e lançavam-se a despojar os escritos alheios. Acho que é disso mesmo que eu precisava: um pedido de casamento inesperado, uma fotografia em preto e branco e chegar em casa embriagado em alta madrugada...

Baby, não se precipite, aprendi que literatura é fingimento, cá estou eu a fingir que finjo... "simulacro de efeito estético", despojo dos recursos de semiótica e blá, blá, blá... o teu nome vira pretexto para as minhas entrelinhas, folhas de outono caem nos "espaços do contratempo" e rima a concupiscência outra quimera calcinada.

Dado que nem falei nos deleites que a hermenêutica me permite gozar, neste meu ópio de fingir faço de conta que escreves só pra mim e me sinto único leitor em teu mundo. Tudo bem, eu sei que não é bem assim, sei que tens leitores mais assíduos do que eu, daqueles que vem, não comentam nada sequer, não seguem, mas sempre voltam, espreitos como quem está a fazer algo proibido e se encontram nas tuas linhas, fazem interpretações não demasiado literárias pois sabem que vivem nelas muito mais do que eu. É fogo fátuo que prefiro não acreditar nisso, realidade demais sufoca a poesia, então discorro solitário nos teus versos, passo as mãos nas tuas rimas e vejo elas eriçarem-se pra sentir o que trago em minhas páginas ainda brancas, prefacio a tua prosa bem devagarzinho e depreendo com saliva ao final de cada linha em um movimento concêntrico que irá nos levar à catarsis! Ao final fumamos juntos o cigarro da saudade e declamamos Pessoa, Quintana e Bandeira um pro outro, te vejo dar uma gargalhada de que tudo isso não aconteceu e acho teu sorriso ainda mais bonito. Tu pára o carro na mesma esquina em que me encontrou, nos despedimos com um beijo na testa, teu destino é o litoral enquanto eu espero outro farol ao longe que reduza a marcha, e, ainda parando, uma voz que me chama na janela e pergunta o preço.



♫♪
"Por entre flores e estrelas
Você usa uma delas como brinco

Pendurada na orelha
Astronauta da saudade
Com a boca toda vermelha
Lágrimas negras caem, saem, dóem
São como pedras de moinhos
Que moem, roem, moem
E você baby vai, vem, vai
E você baby vem, vai, vem
Belezas são coisas acesas por dentro
Tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento
Lágrimas negras caem, saem, doem"
♫♪


Foto: Nielle
Texto: Julio Beckovski
Música: Jorge Mautner