Lá vai o sujeito com seu passo torto pelas ruas, cabelo desgrenhado, barba por fazer e o olhar crônico sob as coisas, como se fosse o último a saber. Acende um cigarro e o mundo sem desconfiar que está sendo pensado continua passando displicentemente ao redor.
sábado, 12 de novembro de 2011
Circular Cidade 2
Lá vai o sujeito com seu passo torto pelas ruas, cabelo desgrenhado, barba por fazer e o olhar crônico sob as coisas, como se fosse o último a saber. Acende um cigarro e o mundo sem desconfiar que está sendo pensado continua passando displicentemente ao redor.
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Dois
Feriado
Há dias em que a gente anda tão a flor da pele, mas tão a flor da pele, que deveria ser proibido por decreto se aventurar em linguagem escrita. Não é do meu feitio, em tais ocasiões, prostrar palavra alguma no referido leito, ainda menos me arriscar pelos jardins. Tenho hábitos noturnos. Apaixonar-se não se trata de um verbo comumente empregado pela natureza sempre evasiva de poeta. Eis um risco que não pretendo correr, colocaria abaixo toda a minha obra. Porém, levando em conta a transcendência de uma quimera literária que tende por elevação de estilo a se constituir carnalmente, me intriga saber em qual página há de fiar esta canção que nos é tão pertinente. Teríamos a ousadia de transpô-la do plano mimético para a dita cuja e tão já complicada realidade?
Ponho-me a divagar nas quantas e quantas palavras se desconfiam metaforizadas no meu texto... Fazem parte do meu jogo esses subterfúgios semânticos, senão não haveria graça alguma na interpretação. Ainda assim afirmo que se permita metaforizar somente aquela para a qual as notas ecoam como pano de fundo enquanto lê-se. Se não há de escutar semmi, então não tens o direito de sentir-se empregada como substantivo concreto. Eis mais uma linha solta na tessitura, desprenda-se do enredo, largue o meu verbo e retire-se de mãos vazias e imaginação fomentada. Sinto muito, estamos fechando, volte mais cedo amanhã. Não há mais ninguém aqui para vos servir, hoje não. Agora todo o trabalho manual deve ser empregado para que se cumpra a profecia lingüística daquela que sempre esteve permeando os meus escritos, mas à que nunca foi concedida a devida atenção. Sempre ali, de andanças pelos jardins, o olhar focado nas pequenas magias que acontecem em preto & branco & cores outras. A singeleza que eu procuro em linhas e mais linhas de prosa torpe, ela acha em uma imagem só, na brevidade mágica de um instante atemporal.
Visto que nunca te concedi coroa nenhuma, nem ramos de flores como às outras, merece agora emprego mais formal da minha escrita. Eu que sempre te despojei do altar, jogando-a na cama, prometo destarte tratá-la com o devido cuidado, ó palavra intraduzível. Decretarei feriado e, em meio às outras, sublinhar-te-ei para que te sintas objeto influente na minha transcrição. Se reclamares, te corôo com aspas, o que viria bem a calhar, dado que não se trata de expressão da criação da minha língua, muito embora não me pertenças jamais fora empregada com tanto asseio por outro vate. Aqui na minha prosa poética sinta-se dádiva, musa alheia, núcleo do sujeito, termo essencial da oração, enfim, sintaxe à vontade. Em verdade vos digo: já esperou por tempo demasiado a tradução. Então tomo uma dose de conhaque pra acabar com a maldita timidez e venho reclamar-te os meus direitos autorais.
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
Circular Cidade
Feriado. 02 de novembro de 2011. Pouco dinheiro no bolso. Sem teto. Muitos amigos. Nenhum parente morto. Folga de última hora. Finados. Os túmulos de Quintana, Pessoa e Drummond muito longes. Nenhuma flor “roubável”. Exclusividades de Iemanjá.
Rua. Convite de alguns amigos: praia, casa, passeio. Recusa. “Cintilante do caminho. Sai do arco uma flecha. Em seu contorno fogo. Corpo que pode explodir”.
Ará é uma cidade que trata com benevolência escritores sem dinheiro. Ao menos no que se refere ao deslocamento. Com apenas Um Real, Doze Centavos e meio é possível circular em todas as partes, do desperdício na zona sul às mazelas da zona norte. As ruas do centro são as mais tristes, por trazerem lembranças felizes. Glória ao Sistema de Transporte Integrado. Amém.
Às mentes insólitas do espectador comum pode parecer programa de índio. Mas não a um observador literário. Onde todos vêem transeuntes, ele vê personagens. Acontecimentos atendem pelo codinome “Enredo”. Fatos? Podem ser duvidados. Dúvidas? Podem ser validadas.
Embarcou na zona norte. Programa agendado. Deteve-se por um momento no terminal da zona leste. Ponderou. Deixou ir em paz o ônibus. Pensa um pouco sobre a composição. Nenhum Satã para financiar charutos e vinhos. Atravessou para a outra plataforma. Centro. Lembranças boas, ruas agora taciturnas, chorando a ausência de estudantes, spleen. Um real compra dois saquinhos de amendoim adocicado que substitui café da manhã, almoço e engana a fome por mais algumas horas. Observa os mendigos. A um deles daria todo o dinheiro que tivesse, se o tivesse. Mas não deu.
Outro embarque. Durante todo o percurso ele pensa sobre a composição. Centro de consumo, passa reto. Terminal do Distrito Industrial. Bundas, coxas, peitos. Amendoim não. Toma outro ônibus. Centro de consumo, desce. Ao menos tem banheiro, água e leitura gratuitas. Ilusão. Livraria fechada, mercado fechado, banheiro como consolo. Espelho, ele amarra o cabelo e acha-se bonito, apesar da barba mal feita, apesar dos olhos vermelhos, das olheiras, das noites sem dormir, dos dias de má alimentação e boas bebedeiras. Apesares.
Parque. Gente feliz, cachorros, bolas, bicicletas, crianças, sombra, piqueniques, algazarra. Deita num banco, repousa e pensa sobre a composição.
Percurso inverso: centro de consumo, banheiro, Terminal do Distrito Industrial, centro triste, zona norte. Pega a chave da casa de um amigo, mas não se destina para o devido local. Em vez disso: Bar, doce lar, como cronicaria certo Sabino.
Pede uma cerveja e um cigarro. Senta naquela mesa ali da calçada, melhor lugar para ouvir enredos. Ignora o futebol da TV. Arreda as cadeiras dos seus acompanhantes que durante todo o dia pensaram sobre a composição. Brindam: ele, seu Macário e seu Penseroso. Escrever na 3ª pessoa consiste a forma mais exata de se esclarecer, embora não o faça com a devida qualidade estética que o faria por prosa poética, falseando a 1ª pessoa do singular.
Paga a cerveja, agradece. Ainda sobram alguns trocados pro café. Contudo é hora de deitar palavra no papel.