Para aquela que chega mais molhada
quando vem de longe.
Bem sabes que nem toda
palavra que deito sobre o papel eu escrevo. Exijo delas ressonâncias,
profundidade semântica. É preciso que eu vislumbre em qualquer despretensioso
gesto o lume de poesia. É preciso que um arrebol preceda cada cerrar dos cílios
e que placas tectônicas se movam ao menor afago. Só então empunho minha pena e
traço sob a superfície intacta as primeiras glosas.
Tal propensão eu encontrei nos
poros da tua pele alva. Tão logo a metaforizei em concretudes
vicissitudinárias, quando ainda mau poeta era. Não tão medíocre que já não
sublimasse o teu nome em profanos escritos. Por anos afins dediquei-lhe versos
e fenômenos da natureza, sentimento abnegado ao qual ainda hoje me esvaio do
ensejo do beijo para que, mediante as regras do amor cortês, me porte com a dignidade de um trovador medieval. Enfim
compus a prometida trova, não tão despudorada que lhe umedecesse o tecido, mas
o suficiente para tirar-te do lugar conforme me confessou que sempre faço.
Admito que tal proeza não seja para o meu ofício lá muito difícil, dado a
linearidade dos textos que compõem este lugar comum que habitas. Singular
palavra que és, merecias uma ordenação mais elaborada da linguagem. Algo como um altar, uma coroa de flores e um
vestido estampado... não, esqueças o vestido, não terá serventia para os fins
escusos aos quais me proponho.
Dado que és dama de alta fidúcia não lhe és
permitido tecer comentários que não sejam nos meus ouvidos, fingindo gozo e
chamando-me Poeta. “Já que tem de ser, que seja em segredo” diziam as freiras
enclausuradas nos conventos durante o medievo. Tais arcanos só se prestam a
confundir ainda mais os meus devaneios, creio ser vaidade do teu ego para
manter-me incólume a dedicar-te esta lírica trovadoresca. Ao menos servem para preservar
a cumplicidade em nossas inefáveis trocas de olhares.
Quanto ao trato com frieza
que me reclamas, parafrasear-te-ei nosso vate predileto: desconfia destes
poetas que se fingem tíbios. Trata-se de uma frieza profissional e tão suspeita
como a exuberante alegria das coristas. Bom farsante que sou, escondo aos
presentes meu ardor interno, pois se não o fizesse poria abaixo todo esse vil
empenho em parecer provençal.
Por fim venho lembrar-te um
pretexto antigo que te concedi: Deixe que eu te toque com as mãos, mas jamais admita que
uma só palavra minha penetre em teu ser, pois assim estará corrompida para
sempre, e quem o disse foi Neruda, um mentiroso mais sincero do que eu. Conceda
apenas o afago dessas calejadas mãos de operário semântico, de modo que
permanecerá intacta em sua pureza de menina doce. A julgar pelas confissões que me fez, creio que já seja tarde.
Poesia dentro e fora!
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