quinta-feira, 5 de abril de 2012

Telegrama IV

Para a prosa que nos meus braços se fez poesia
Sinto muito, mas este súbito afastamento é necessário. O que queres de mim, eu não devo mais te conceder com tanta frequência. Tornou-me um vício. Voluptuosa que és, deseja ser escrita o tempo inteiro. Queres a minha pena sem cessar. Libertino que sou, quero bem mais do que estas prosas que só me retardam o gozo. Quero a tua página aberta com veemência, quero santas fogueiras ardendo em praça pública, quero a inquisição do teu olhar e morrer de uma só vez como os mártires. E o meu nome será conclamado nos templos com fervor, como aquele que morreu por... Portanto não devo mais te deitar no papel com fins meramente literários, destarte só o faço com segundas intenções.
Não que me falte atributos poéticos para tanto. Na verdade não faço mais do que o trabalho de parto em teu ventre. És tu quem carrega os poemas no útero, desde que te engravidei semanticamente. Mas se gostas tanto assim de ser escrita, sugiro que procure outro profissional das letras, quem sabe um escriba, talvez um revisor ortográfico, ou mesmo um jornalista... Esses coitados criarão meus filhos bastardos pensando serem deles, com menor qualidade estética obviamente, dada a incapacidade de transcenderem a significação básica das palavras, denotativos e moralistas que são. Poetas não, poetas como eu já nascem póstumos; não encontrarás um sequer que ainda viva. Poeta bom, meu bem, é poeta morto.
Não entendo o motivo do pranto, se foste tu mesma quem quis assim. Te oferendei meu coração ainda pulsando, minha alma despojada como espólio e meu corpo nu no altar da insensatez. Pior do que isso foi descaracterizar a minha escrita. Aceitei-te como palavra única em meu bordel, te concedi o meu verbo e que fizesse uso da minha pena como bem entendesse. Tão logo se satisfez com a catarse, abandonou-me sem mais interpretações. E sem mais encomenda textos como se eu não tivesse outras palavras pra escrever. Meu preço agora é justo!
Mas trata de secar a lágrima, a despeito deste sublime escritor a inventar outras palavras, existe ainda aquele poeta sujo, vil, cego e burro que segue cultivando silenciosamente o teu jardim, a te fazer agrados de hermenêutica e dar à luz aos versos que simulam cortejos, estantes e estórias improváveis. Até logo.

4 comentários:

  1. Suas palavras são como as mãos que procuram rapidamente a pena para introduzir a palavra.
    São como versos que se descrevem lenta e libidinosamente sobre a folha.
    Seu sentimento é, decerto, latente em demasia...

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  2. "Seu sentimento é, decerto, latente em demasia..." (muito bom)

    Dentre os (quase todos) que li, um dos melhores, se não o melhor por vc já escrito.
    Muito bom!

    (Ana*)

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  3. . Ny, isso também é preciso.
    . Rafa, lindo o comentário! Sempre um estender-se! (Tem 5 horas que tu foste embora e eu ainda tô borracho!)
    . Ana, sem mais comentários. Modéstia é uma das virtudes que mais odeio no cristianismo!

    Desculpem-me a ebriedade dos comentários, devo somente escrever-vos!

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"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)