domingo, 8 de abril de 2012

Espelho

Para quem quer que enxergue aí a verossimilhança
De que classe gramatical seria tu, não fossem os afagos da minha pena? A que narrativa insossa e linear pertenceria, não fosse esse poeta que te inventa? Se dependesse das mãos que habitualmente te rascunham, que palavra triste seria: lívida, gélida, comum. Essas mãos denotativas tentam em vão poetizar, tentam sem êxtase imitar o que faço tão singularmente, mas acabam sempre reproduzindo, criar não sabem. A criação é para poucos. A criação é para homens elevados. Um terceto que invento vale mais do que páginas e páginas dos vossos escritos. Em um quarteto te penetro no corpo e na alma, coisa que não conseguiriam nem se publicassem livros, manuais, enciclopédias.
Então responda-me: porque se privar do meu gozo? Porque continuar essa enfadonha narrativa? Porque permanecer ao lado de homens sóbrios? Homens que precisariam se drogar para se sentirem criadores... Seres que não vislumbram nos teus gestos calculados o incalculável lume de poesia. Homens que não te enxergam além do que és. Seres que não te inventam.
Dispa-se das vestes, desamarre o cabelo e detenha-se frente ao espelho. Observe a si mesma, teu corpo nu, a crueza destas curvas que alinhavei em prosa e verso, cada assonância que bebi dos teus mamilos, cada um dos pêlos que aliterei no teu púbis e os enjambements que intercalavam nossos orgasmos enleados. Que me diz?

“E a sagacidade era sua
Aspiração vã e frívola
De agradar aos outros
Às suas próprias custas”

(John Wilmot in O Libertino)

Um comentário:

"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)