domingo, 8 de abril de 2012

Telegrama V

Para quem não cessa de ler-se, mirando-se no espelho. Para a tua vaidade e falsa modéstia.
 “Tomei-a nua, fria e bruta como o escultor uma pedra de mármore... e a visão que vesti com a gaze acetinada das minhas ilusões, a estátua que despertei do seio da matéria, não estava aí. Estava no meu coração e só nele. Fi-la bela, dessa beleza divina que Deus me ressumbrou na alma de poeta.”
Páginas de Penseroso, em Macário (Álvares de Azevedo)

Escrever-te é um vício do qual não me privo. Mas daqui por diante, ainda que bêbedo e lírico como de costume, não te destino mais a palavra oral. Não no que se refere a este insano ato de metalinguagem. Como já disse em labaredas, a palavra oral é despretensiosa, irresponsável, se dedica apenas aos deleites momentâneos, depois se esvai e raramente resta alguma prova cabal do ato consumado, quando muito uma marca de batom se o orador em questão for um tanto quanto descuidado. Permita apenas prostrar-se no papel e deixe tudo sob o meu encargo. Use a alcunha que desejar, seja rasa o quanto puder, que a tua profundidade eu invento em variações hermenêuticas que te profanam. E eu pacientemente esperarei pelo anonimato ou não dos teus comentários. Se quiseres continuar tecendo-os em meus ouvidos, sintaxe à vontade.

Mas cansei de enviar telegramas. Sou sempre aquele pobre poeta precário a conferir em vão as caixas de correio. Não é recente que esta prosa se tornou repetitiva. Preciso de uma palavra nova, que não se prive. Uma palavra que tenha o espírito livre. Uma palavra realmente imoral, impetuosa e significativa. Lirismo não basta. Desejo uma palavra que exerça todas as posições sintáticas sem pudor. Eu somente acreditaria em uma palavra que soubesse dançar.

“Se não fosse assim, seria essa estátua uma mera
Pedra, um desfigurado mármore, e nem já
Resplandecera mais como pele de fera.
Seus limites não transporia desmedida
Como estrela: pois ali ponto não há
Que não te mire. Força é mudares de vida”.

(Torso arcaico de Apolo - Rainer Maria Rilke)

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