Com todo o respeito,dedico esta prosa sonora para a minha irmã Lissandra, que vive de acordo com as melodias. E isso não é um incesto, é tão somente Poesia.
Lápis sobre o papel: DOUGLAS, Rafael. Senza fine, 2010
Guerra pela posse, talvez essa expressão possa descrever o nosso encontro. Teu corpo, tão raro instrumento. E eu que nunca tive muita aptidão para as artes do ouvido, tenho de me esforçar para tocá-la. Nas tuas cordas eu afino os meus dedos. E quando me canso de apalpá-la com as mãos, te faço flauta, saxofone, gaita de boca. E os teus gemidos soam sincronizados, perfeita melodia.
Desde que te descobri pendurada na parede, eu me viciei nas tuas notas. Procurei ao redor partituras, mas nada encontrei. Então, tive de improvisar. E o improviso se tornou a nossa canção mais pedida. Ouço tocá-la nas rádios, am’s e fm’s. Escuto-a nos bailes, nas serestas. Caímos na boca do povo, mesmo não sendo populares. Depois nos levaram para as cortes e palácios do medievo. Versaram-nos com alaúde, em trovas e serenatas. Em seguida fizeram-nos clássicos, deitamo-nos nos pianos do século XIX, voluptuosa erudição. Depois disso, modernos, nossos acordes em solos de guitarras e os berros sem pudor soavam nos amplificadores. Gravaram-nos em vinis. Por fim, contemporâneos outra vez. Remasterizaram-nos. Andaram criando versões da gente por aí. Nossa estrada agora é um sopro, ao sabor do vento, de orelha em orelha pelas ruas vamos assoviando melodias aos transeuntes distraídos.
“O homem por cima da mulher, ambos tão delicados, interpretando um dueto de tímidos gemidos. Ela como as cordas de um violino e ele percorrendo-lhe o corpo, da cabeça aos pés. Fá num chupão de orelha, Mi num beijo nas coxas, Sol numa lambida nos peitos, Lá numa mordida de lábios, Si em fungados na axila...
Ao entreabrir os olhos, novamente o homem perdia o comando. Porque ele não conseguia acompanhar as notas altissonantes e bárbaras da mulata”
Paulo de Carvalho-Neto, em Suomi
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"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)