segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Escolha


Não era lá a mais bela dentre todas as palavras do dicionário. Não gozava dos assovios dos operários como essas proparoxítonas que desfilam de lá para cá fazendo da construção civil mero pano de fundo para subsidiar a empáfia que lhes é característica. Tampouco tinha cabimento no meu texto. Contudo havia nela uma beleza singular, desses desabrochares recônditos que só avistam os loucos e os poetas. E, ainda que monossilábica, forjava altivez no olhar e na pronúncia de modo a intimidar o mais intrépido revisor.
A vogal que a trazia até a minha pena era a mesma que a levava embora após um instante consonantal [Nota-se que os elementos da poesia eu uso para me entregar]. E, sabe-se lá porque diabos, passou a ser semanticamente importante para a minha escrita.
[...]
Roube-lhe a virgindade quando, revolvendo-se no catre, me lia escondida, e com uma das mãos entre as coxas procurava-se nas entrelinhas. E eu deixava o seu nome subliminar em cada prosa poética que tecia, a ingênua intenção de que me indagasse com o olhar ao menos, neste caso não haveria como negar. E ainda que julgue certeza ser em ti que escrevo, não vem ao caso falar: reservo para a boca tarefas mais libidinosas, enquanto através de olhares lânguidos mantemos um acordo tácito, e o riso é como um gozo, espetáculo de domínio público.
Mas, a despeito das tuas vontades contidas, teu colo de menina não é lugar para o roçar a barba deste poeta errante.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Concessão




‘É preciso que a gente tente de todas as mentiras, é o que estou fazendo; pois, de todas as maneiras, só a poesia é verdadeira’.

É mais ou menos assim: Eu, Caio F. e Manoel de Barros, ladrão que rouba ladrão, mentirosos dos mais sinceros, aspas são levadas ao bolso e ali ficam à espera de devolução por parte d’alguma moça que se compadeça e queira fazer justiça com os próprios lábios.

Complicado escrever quando já se vive além do que se escreve. E quem me vê assim como as pedras que rolam pode até desconfiar que eu não tenho coração, que tudo se cria e do mesmo modo se termina no atrito entre a pena e o papel. Vamos deixar tais elegâncias de lado, pra sermos mais pós-modernos tudo se dá agora no ruidoso contato entre a extremidade dos membros humanos e a superfície das máquinas, destituído de qualquer romantismo ou nostalgia, cabe a fidúcia que lhes é característica. Como um arfar de bicho selvagem as mãos procuram as teclas e vão escolhendo uma a uma as letras que lhes convêm. Alternando consoantes e vogais a vida vai sendo tecida, entre gemidos, mordidas e sussurros. É assim que funciona a literatura contemporânea, há pressa escorrendo por entre os dedos, teu corpo é acariciado em prosa viva à flor da pele e sem nenhuma cerimônia. E quem haveria de imaginar que tais sutilezas seriam compostas por essas calejadas mãos, tão habituadas a descompor as palavras. Mãos tortuosas, assim como os caminhos, desconfio que seja algum mal específico do qual são acometidos os poetas, e muito embora eu não seja um, tanto me atrevo a fingir que acabo pagando na mesma moeda.

E como senhora mia enquanto lia percebeu: por trás dessas técnicas de produção de textos improdutivos, há sim um coração que pulsa, há vida além da teoria literária. Antes do poeta há um escritor, e ainda antes do escritor há um homem, antes do homem um menino, que além de escrever também beija, chora, ri, deseja e sente. Descansar do mundo nos teus braços, era tudo o que eu queria. Mas tu não me concedes mais que os teus olhos, os quais linha a linha ofegantemente vão descendo, até oponto G, e como se orgasmassem, aqui repousam.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Promessa

Perdoe-me a cafonice desse estilo literário, essa postura de conquistador barato. Eu não valho a pena que uso. Apaixono-me todo dia por uma palavra diferente. Estas moças desconhecidas têm a singular beleza de um idioma alheio, poético por si só. Embora não as compreenda, me basta ouvir a pronúncia.
Perdoe-me as linhas que deixei em branco na tua vida. Nunca me declarei poeta, meus versos de outrora não contavam métrica e nem forma fixa, não se trata de um trabalho esteticamente perfeito. Em vez disso essa prosa que a gente leva, saliva que a gente preza, proezas que a gente louva. Eu finjo escrever pra ti, tu finges que não leu e fica tudo entre nós. Poderia usufruir da oralidade, mas tímido e careta que sou, prefiro ir roubando o teu coração do bolso aos poucos e sem o teu consentimento, com a engenhosidade de um aliciador de palavras, palavreador de mulheres.
Se for afeita aos longos romances, não tenho muito a oferecer. Meu texto é breve e direto, porém intenso. Sabe que sou um homem sem futuro, que o consumo todo agora, em prolongadas e inebriantes baforadas. Mas se quiseres abrir mão dos velhos cânones da literatura, te ofereço a minha asa pra pular do precipício e viver tudo de uma só vez. Se cansada estiver das entediantes narrativas, te prometo o coração pulsando, sangue timbrado nas folhas e tinta correndo nas veias até que a vida nos prepare. Venha fazer vida em meu bordel e sairá daqui grávida de poemas, contos e crônicas. E após nove meses de árduo trabalho editorial, lapidando estrutura, revisando ortografia, incoerência e coesão, a nossa obra será publicada como legado de um caso literário. E é deste modo arcaico que tudo se transforma em verdadeiras mentiras mal contadas, bem escritas.