terça-feira, 10 de abril de 2012

Rubiácea

Pintura em Tela: DOUGLAS, Rafael. De alma lavada e passada, 2010.

Desde que aceitaste tão profana viagem que já não consigo mais sobreviver sem o teu corpo, morena. Nosso crime é perfeito: adultério semântico. O que me incomoda um pouco é não te interessares pela minha literatura, mulher ingrata, inculta. Parece mesmo que não necessita ler meus poemas, exercendo-os na pele. E eu te escrevo com tamanho empenho, te visto de figuras de linguagem e te faço soberana dos nossos territórios conquistados, ao que tu te despes sem a menor cerimônia e quer de mim apenas o falo. E eu, já sem valor, te concedo a pena sem a menor resistência. Subjugar-te-ei em camas de hotel e com arfar de bicho selvagem consumaremos o coito e serão horas e dias de gozos, gritos, gemidos, carne, pele, saliva, esperma entre cigarros, bebidas e outras coisas mais.

E eu leio teorias, faço estudos profundos, consulto dicionários, para te versificar com mais engenho, tudo em vão, sáfaro animal que és. E eu me instruo em geologia querendo descobrir o solo mais fértil pra te cultivar. Faço-me agrônomo, consulto as estações, a fase da lua, os astros, estendo a minha mão para as ciganas lerem nas rodoviárias. Por fim aro com suor a terra e planto-te, irrigo e cultivo prestando atenção em cada desabrochar, tudo em vão. Tu só queres de mim a hora da colheita. Deseja com volúpia a safra dos teus grãos, rubiácea esfumaçada da manhã.

Um comentário:

  1. "Sua força poética é intensa como um impulso primitivo, ela possui alguns ritmos próprios violentos e jorra como que de uma montanha." Rilke

    Sua P.

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"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)