segunda-feira, 7 de março de 2011

Literariam(a)nte

Lembro...

Lembro da primeira vez que veio da tua boca pra minha a palavra solta, libidinosa, dissoluta. Me disse assim: "Poeta", desse jeito igual, com "P" maiúsculo. Sabia eu não ser, fingir, literariamante... mas não te revelei ao pé-do-ouvido para que satisfizesse meus gozos por mais um tempo. E se ao crepúsculo possuo em carne, osso e saliva a mulher devida, não tarda que as de letras vêm me visitar. Alternando vogais e consoantes eu rimo qual quiser, faço orgias semânticas, rituais linguísticos que desgarram-nas do estado de dicionário em que se encontram quando despidas do tato de minhas calejadas mãos. Revogo-me as adjetivações que me atribuem, pois toda arte criadora não transpassa um auto-plágio demasiado malfadado e quando muito, vã filosofia da linguagem, como tende ser toda e qualquer filosofia...

À ti leitor despudorado, que adentra neste bordel devasso, repara ali naquele canto da taberna, há um homem de barba por fazer e de um mal humorado formalismo russo impregnado de cheiro de cigarro e vodca barata, há um operário do campo semântico mal-assalariado pela hermenêutica burguesa e disforme, em meio às palavras que se dizem putas e o consolam com afagos sobre a mesa, dançam embebidas e ele arranca delas as frases, os versos até ficarem nuas, as orações. Repara no seu olhar, há um velho que lê poemas com um gato enrolado aos pés, há um moço que precisa sentir que o mar vem oscular a areia de vez em quando para se manter vivo, mas, sobretudo há um menino que só deseja chegar em casa e ter a face lambida por seu cachorro, maior prova de amor que existe na face da terra.