segunda-feira, 12 de março de 2012

Vingança

"Não há xampu, não há creme
que apague ou que desmarque
da tua pele o meu beijo
fedendo a conhaque."
_Aldir Blanc

És tu a palavra precária que fez do poeta um homem, do enredo um fato, do teórico um lírico. És tu a mulher rabiscada que desfaz a poesia, transforma tudo em vida, valida minhas mentiras. E de nada adianta eu beber em Drummond, andar pelas calçadas, errar pelas ruas e deter-me nas gares com o Quintana a soprar-me outra palavra nos ouvidos, nem me serve adentrar as tabernas na companhia de Sklovski, Jakobson, Tynyanov e Tomashevski. Nenhum deles crê no que invento. Recuso-me a beber, acendo o último charuto e vou saindo taciturno. Tua maldita subjetividade fez do meu pseudônimo mera sombra do meu ser. É-me difícil ser triste, ou mesmo contido.

Mas me vingo. Rio-me de todos os outros homens que te tocam. Deles tenho pena. Parecem analfabetos analisando um tratado filosófico. É que minha dicção é árdua. Já no primeiro cortejo comecei a transcrever-te para um idioma que inventei. Em nome da nossa predileção pelo mar, coloquei a legenda em uma garrafa e lancei às águas. Literariamante fui lapidando um a um os caracteres de modo que se tornassem símbolos. Tratou-se de um trabalho que me consumiu em meses. Por fim decretei feriado e te concedi o meu verbo em noite enluarada, em chuvosa aurora. Ao te penetrar na alma o fiz como jamais souberam. Engravidei-te de poemas. Desde então carrega em teu ventre o sêmen do gosto pelas artes verbais.

E do que a gente viveu eu escreveria mil sonetos, ah se não me faltasse a ciência do verso...

2 comentários:

"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)