Sim, existimos, diz-me. E o teu dizer é já um pomo
doce em minha boca. É um pomo colhido no cacho, com a palma da mão ainda
ríspida pela escalada até a frondosa copa desta árvore que cultivo há muito.
Lembro ainda a semente que pus aqui. A terra era árida naqueles idos. Não havia
sombra alguma, era tudo uma extensão seca e dura de vergões infindos. Era o
vento passando mudo, sem ter no que tocar. Era um desperdício de poeira sem ter
no que assentar. Era eu olhando triste todo o amor que faltava.
É tão difícil plantar uma árvore. Não o ato em si,
mas a responsabilidade que se assume. Plantas uma árvore e não serás mais
sozinho no mundo. É como plantar um destino. Mas a terra não podia arder seca
daquele jeito, o vento não podia continuar passando ileso, até a poeira
precisava de um descanso! E foi de lágrima que fiz o primeiro furo no órgão da
terra. E a terra, gemendo num misto de prazer e dor, aceitou de bom grado o sêmen
que lhe impunha.
Nem sempre foste assim bela e frondosa. Nas
primícias de cada aurora era um frágil ramo ao que vergava o vento. Meu sono
era colhido ainda verde para cuidá-la. Árdua tarefa matutina, pois o vento só
tinha você. Ficava ele rodeando-te, tirando-a para dançar de todos os lados.
Mas nunca achei justo lhe pôr na redoma. E parte do que agora te faz forte
coube a esta exposição ao tempo.
Tempo, tempo, tempo... ele foi passando com o
vento. E o que mais parecia um arbusto foi tomando formas, foi abrindo os
braços. E nas manhãs que eu ia perguntar do teu sono, já estava acordada e
rindo bem antes de mim. Não era mais o vento quem a tirava pra dançar, mas o
contrário. Eu já acordava no teu riso venial de menina impura a caçoar do vento
que não conseguia mais seguir o curso linear ao que havia se acostumado. E ele
mais parecia um sopro a recolher-se em teu ventre.
E era nas derradeiras horas dominicais que eu me
deitava em teu colo para ouvi-la com a religiosidade de quem lhe destinou o
firmamento. Eu ficava ali o tempo todo coberto de poeira e tu mal me percebias
aninhado entre as raízes. E era um espetáculo que se apresentava aos meus
ouvidos o ressonar do vento nas folhas tuas. A relva orvalhada foi meu
esconderijo por longos anos.
E foi do descanso da relva que avistei o primeiro
racemo de flores. Um riso nos olhos anunciou o momento mais bonito da minha
vida. Dá-me tua sombra, que o meu coração já lhe fez ninho.
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"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)