quarta-feira, 2 de maio de 2012

Lenha


 Sim, existimos, diz-me. E o teu dizer é já um pomo doce em minha boca. É um pomo colhido no cacho, com a palma da mão ainda ríspida pela escalada até a frondosa copa desta árvore que cultivo há muito. Lembro ainda a semente que pus aqui. A terra era árida naqueles idos. Não havia sombra alguma, era tudo uma extensão seca e dura de vergões infindos. Era o vento passando mudo, sem ter no que tocar. Era um desperdício de poeira sem ter no que assentar. Era eu olhando triste todo o amor que faltava.

É tão difícil plantar uma árvore. Não o ato em si, mas a responsabilidade que se assume. Plantas uma árvore e não serás mais sozinho no mundo. É como plantar um destino. Mas a terra não podia arder seca daquele jeito, o vento não podia continuar passando ileso, até a poeira precisava de um descanso! E foi de lágrima que fiz o primeiro furo no órgão da terra. E a terra, gemendo num misto de prazer e dor, aceitou de bom grado o sêmen que lhe impunha.
Nem sempre foste assim bela e frondosa. Nas primícias de cada aurora era um frágil ramo ao que vergava o vento. Meu sono era colhido ainda verde para cuidá-la. Árdua tarefa matutina, pois o vento só tinha você. Ficava ele rodeando-te, tirando-a para dançar de todos os lados. Mas nunca achei justo lhe pôr na redoma. E parte do que agora te faz forte coube a esta exposição ao tempo.
Tempo, tempo, tempo... ele foi passando com o vento. E o que mais parecia um arbusto foi tomando formas, foi abrindo os braços. E nas manhãs que eu ia perguntar do teu sono, já estava acordada e rindo bem antes de mim. Não era mais o vento quem a tirava pra dançar, mas o contrário. Eu já acordava no teu riso venial de menina impura a caçoar do vento que não conseguia mais seguir o curso linear ao que havia se acostumado. E ele mais parecia um sopro a recolher-se em teu ventre.
E era nas derradeiras horas dominicais que eu me deitava em teu colo para ouvi-la com a religiosidade de quem lhe destinou o firmamento. Eu ficava ali o tempo todo coberto de poeira e tu mal me percebias aninhado entre as raízes. E era um espetáculo que se apresentava aos meus ouvidos o ressonar do vento nas folhas tuas. A relva orvalhada foi meu esconderijo por longos anos.
E foi do descanso da relva que avistei o primeiro racemo de flores. Um riso nos olhos anunciou o momento mais bonito da minha vida. Dá-me tua sombra, que o meu coração já lhe fez ninho.

 

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"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)