quinta-feira, 3 de maio de 2012

Fim

Nocturnal Surprise II (Fabián Pérez)

Nota de esclarecimento: Declaro agora este Bordel fechado! Vou-me embora com meu passo gauche e distante, noite adentro, vida afora. Talvez fazer crônicas para ninguém ler, se ainda me restar o olhar focado sob as coisas inúteis. Ou mesmo tentar a impossibilidade de um verso. Talvez nem isso.

Talvez não as faça com o devido engenho, as crônicas. Contudo as palavras a que se presta um jornalista não o acompanham quando acaba o expediente. Eis o melhor dos meus erros. Tanto fingi ser poeta que acabei ludibriando a mim mesmo e, enganado pela verossimilhança, acreditei ser, não poeta, mas ao menos escritor. Levei minhas palavras ao leito, subjuguei-as a exercer funções sintáticas por mim determinadas, porém acabei me apaixonando perdidamente, semanticamente por uma delas. Tirei proveito poético da minha própria timidez. Mais que isso, com caneta e papel inventei um amor, e dos mais efêmeros. Abalos sísmicos são efêmeros, me alerta o leitor mais atento, e me vejo obrigado a concordar.

Pensando bem nem tão mau escritor era eu para inventar um amor tão efêmero. Há críticos que alegam erros na terminologia, como se ousasse chamar de amor a minha criação que na verdade não era mais que paixão, do mesmo modo como classificar indevidamente como romance um livro de contos. Talvez.

Não, não foste tu o maior dos amores, não embalaste com zelo a rede do tempo, não curaste as tristezas nem dividiste as alegrias. Nem tampouco foste tu a paixão platônica que cultivei por anos afins dedicando-lhe versos e fenômenos da natureza, sentimento abnegado ao qual ainda hoje me esvaio do ensejo do beijo para que, mediante as regras do amor cortês, me porte com a dignidade de um trovador medieval. Nem foste tu aquela que subjuguei em camas de hotel e com arfar de bicho selvagem consumamos o coito e foram horas e dias de gozos, gritos, gemidos, carne, pele, saliva, esperma entre cigarros, bebidas e outras coisas mais. Não foste quem me ensinou a prosear e nem veio sorrateira pela janela trazendo subsídios de cultura. Nem mesmo aquela à qual, com o indevido respeito, dediquei sucessivos poemas e, entre vogais e consoante, escrevi o seu nome com a engenhosidade de um aliciador semântico.

Quem foste tu afinal? A palavra que veio cumprir a profecia. Tão somente aquela que corrompeu a minha escrita e me fez enxergar a vida como poeta, sentindo os poemas na carne e mudando a alma de casa. Aquela que, ardendo em brasa, fez-me compor os mais singelos vocábulos em sua pele jardinada, dilatando para nós auroras e ocasos. Aquela que se ergueu do papel para me cobrir de significados e alterar os conceitos. Aquela a quem dedico todo dia um pensamento, às vezes de pena, outras de admiração, quase sempre de saudade. Aquela por quem eu deixei de ser escritor. E se doravante não tens mais o que ler, a culpa é nossa.

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"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)