terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Gauche II

“Havia achado, sempre, que morrer de amor não era outra coisa que uma licença poética.”
García Márquez in Memórias de minhas putas tristes.
 Errei pelas ruas e conheci os amores mais efêmeros. Embebido pelo espírito do vinho, declarei-me lírico nas gares. Soprei ébrio dente-de-leão na varanda e, ao contemplar a leveza da queda, perdi-me nos labirintos do nome dela. Acordei no embalo da rede e já era outro quadro que estava pendurado na parede. Inalei o aroma esfumaçado da rubiácea matutina. Ancorei meu barco na beira da morena, mas o mar me chamava noite adentro. Despedi-me e fui plantar tulipas, orquídeas e amores-perfeitos na madrugada, para colher violetas efêmeras na enseada durante o arrebol. Recebi as mais poéticas ameaças de morte e guardei-as na lapela com orgulho e desdém. Partilhei corpos na vala profunda de um soneto. Colhi tâmaras nos rochedos e, nos pomares, esmeraldas. Despetalei-me em mal-me-queres, mas o bem querer foi regresso de retalhos costurados entre estrelas. Bailarina me veio no abraço, enlaço de ondas e o riso a vogar. Sibilei com doçura uma cantiga ainda virgem. Fui ver a vida a pé e deixei entrar setembro pela janela. Vi com tristeza a mesurada trova que compus ser noticiada no jornal em linguagem denotativa. Pra viver comigo há que ser poema. Pra viver comigo tem que ter bem mais que o verbo no âmago, tem que se abeirar... dilatar-se até perder as sílabas e só então, já sem asas nem respostas, precipitar-se no desconhecido vale (a pena?). Pra viver comigo, pedi-me em casamento. Vivi, amei a mim mesmo como se fosse o último a saber...

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"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)