segunda-feira, 22 de abril de 2013

Conto (Parte I)

Glósóli – Sigur Rós

Era uma vez um ladrão. Andava sempre desocupado e sobrevivia das aspas roubadas. Dedicava-se em tempo integral às inutilidades. Não bastava ser larápio, ainda era mentiroso. Não servia lá pra outra coisa que não fosse à poesia.
Foi quando ele não tinha lá muito que fazer que inventou a moça. De tanto que não tinha, se punha a cultivar agrados literários na enseada pr’uma das amadas. Daí que a moça passou... Levava nas mãos uma máquina de parar o tempo e parou-o uma, duas... tantas vezes sem consentimento. E quando o tempo, contrariado, voltou a bater na beira, ela perguntou:
“Que são?”
“Poemas.” disse o moço.
“E pra que servem?”  quis saber.
“Fechai os olhos” – mas a moça nada viu nem ouviu, ao que embarcou numa nuvem e foi brincar de parar o tempo em outros mares.

(...)

3 comentários:

  1. parece ser mais doce do que se ver, do que se pensa, talvez quando se experimenta..

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  2. Ausência

    Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
    Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
    No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
    E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
    Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
    Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
    Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
    Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
    Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
    Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
    Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
    Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
    Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
    E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
    Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
    Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
    E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
    Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
    Vinícius de Moraes

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"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)