quarta-feira, 24 de abril de 2013

Conto (Parte II)

Hoppípolla – Sigur Rós

Era tempo de pipa quando se reconheceram no olhar um do outro. Há alguns meses que o ofício abnegado do antigo jardineiro era colorir as tardes da moça. Plantava-lhe na face um breve sorriso que germinava alegria. E antes do pôr-do-sol ela lhe pôs um apelido engraçado: “entregador de arco-íris”, ao que ele sorriu também com rubor. Cativou-o. Passava as tardes a enfeitar a vida da moça. Forjava matizes, roubava nuances, inventava-lhe em cores várias e outras cambiantes.

Certa vez deixou o entardecer cinzento só para que ela trajasse um vestido alaranjado em noite de lua azul. Noutra despojou o mar de suas riquezas para colocar-lhe no busto um colar de conchas rosadas. E os transeuntes, coitados! Fê-los todos nublados para que no chão se formasse um espetáculo de sombras coloridas para deleite e gozo sagrado da plateia ímpar. Houve ainda aquela vez em que desnudou bosques e matas sem fim, mas valeu a pena ver o brinco esverdeado pendurado na orelha da moça e o arco-íris dobrado no céu pra vê-la com mais nitidez, irisando-lhe o rosto.

Porém não tardava o poente, dado que a moça levava o sol nas costas. Adentrava as noites a compor ensaios sobre ela. Destinava-lhe recifes, corais, canções simplórias. Havia sempre um verso caído no portão esperando a sua chegada em casa após o trabalho. E ele foi-se apaixonando pelo invento.

(...)

2 comentários:

"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)