Dedicatória: de um riacho para outro.
E a penugem de
minha tez cresceu mais ruiva do que nunca sob os auspícios dela. Cada afago
matutino direcionava os fios em uma única linha corrente. Ei-los todos: o
negrume da maioria que teorizava formas e o rubro lirismo sem comedimento, ao
que se juntavam alguns fios louros tentando em vão uma harmonia, pois ainda
havia aqueles que marcavam a passagem grisalha do tempo. Todos perfumados por
cada retorno das manhãs em que eu era a festa do jasmineiro voltando com passos
decididos à ficção da vida cotidiana, pois supunha ter no seio da realidade
dilatado o nosso mundo.
E era todo à volta
do meu sorriso que crescia o nosso amor inventado e já quase me cobria a boca.
Reluzia no orvalho de cada manhã, se cobria de poeira sobre a tarde e uma brisa
de saudade lhe soprava a cada anoitecer. E a espera noutro dia era sempre
escondido em meio às plantas, feito uma delas que com o vento vergava o olhar
para a esquina à procura de um abraço. E o coração imóvel feito planta. E a
sensação da espera era tão verde quanto o caule mais frágil de esperança. Já
quase murcho ia cheio de medo consultar o oráculo. Ao que ele disse: agora sim!
E cada linha que eu lia era um passo dela em minha direção, e eu já com o
coração em atropelo não era mais planta, não era mais verde, era menino cheio
de cor outra vez com as mãos trêmulas segurando a linha tênue da própria
armadilha. O paciente braço, ainda enrijecido pela espera, contrastava com a
pressa do batimento interno. Mas era preciso esperar ainda um pouco, primeiro
pela confusão dos sentidos ao saber que ali estive, depois pela vã procura dos
seus olhos ao redor, e por último a constatação de cada pétala da minha loucura
escrita no concreto tímido. Então eu chegava a meia voz (como ela sempre me
chegou) já recitando em seu ouvido nu as cordas forjadas do nosso destino; e
quando ela virou-se já não ouvia mais nada do que eu lhe dizia e me calava a
boca com um beijo e me desequilibrava o corpo no abraço e toda a minha vida se
balançava naquele riso dela. Foi a última vez que a tive.
Depois disso o
silêncio deixou de ser nosso e eu, cansado de escrever, me fiz teu leitor. A
força e a simplicidade daqueles versos inimigos ter-me-iam entristecido, mas
devo confessar que achei-os lindos e sorri satisfeito de minha própria desgraça.
Por mais destreza que eu tivesse no punho, não haveria soneto que apagasse aquilo,
pois a verdade de um amor não se esquece com métrica ou rima. Ah, o riso
dela... o riso dela era um álveo profundo e não era a minha a única vida que se
afogava nele. Repentinamente me senti um riacho efêmero e o olhei como outro
riacho efêmero diante das águas perenes daquele rio tão vasto, tão digno de
toda afluência de amor do mundo. Quem de nós terá a ventura de chegar a alto
mar, não sabemos, creio que serás tu. Se fores, desejo-lhe toda a limpidez da
água mais pura para que saiba correr com ternura o leito desse rio que amamos.
E se eu quedar por aqui mesmo, ainda na nascente, ó nobre companheiro de viagem,
eu lhe faço uma promessa: farei destas margens as mais floridas, farei desta
relva que banho a mais vistosa, pois até mesmo a minha dor será repleta da beleza do que
foi vivido!
LINDO! Se fosse pra mim, casava!
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