quarta-feira, 5 de junho de 2013

Telegrama VIII

Para, agora Dona, Tâmara, minha cafetina.
Ah Dona Tâmara. Enquanto os teóricos divergem sobre o que será prosa e o que é poesia, eu não sei o que faço da minha. Pois bem, são sinônimas. Não, não estou a par dos estruturalistas, nem dos outros; eles digladiam na mesa ao lado por coisas mais relevantes. Digo que são sinônimas a poesia e a vida. E a prosa consiste na maneira como a gente tenta levá-la. A gente tenta levar uma vida linearmente promissora, mas não tem jeito: sempre acaba caindo na vala profunda de uma estrofe. Há sempre um eu-lírico que põe tudo a perder. A definição que te dou não se encontra em nenhum compêndio acadêmico, mas é empiricamente comprovada pelos becos.
Sei que estás a pensar que lá vou eu reclamar-te dos meus amores literários, mas foi pra isso que te inventei. Então cala a boca e chupa. E dá-me outro conhaque.
Eu te inventei pra mim. Tu e as outras – não fazeis este semblante magoado, sabes que sempre foi a minha cafetina. Inventei-as para que compusessem meu bordel. Enfeitei-as de flores, de fitas e cetim. Concedi-lhes significações várias. Dei-lhes um trabalho indigno e em troca obtive muitos gozos e o coração partido algumas vezes. Apaixonei-me foi pela Literatura. Apaixonei-me perdidamente pela minha obra.
Mas um dia, sem rumo pela rua, deparei-me com aquela que foi a minha derradeira perdição. A princípio, sem noção do risco, quis empregá-la em meu bordel. Trouxe-a pra cá, dei-lhe um banho e comida. Ela, contrafeita, sorriu. Mal desconfiei das suas intenções perversas: transformar meu antro num lar. O restante da estória tu bem sabes...
Foste tu a minha mais duradoura invenção. Lembro com nostalgia aqueles tempos em que te sentava em meu colo e enfiava um dedo de prosa todo santo dia. Rememoro com saudade quando fazia do teu ventre o meu tinteiro. A gente ria e trabalhava.
Pois bem. A sensação é de que este bordel findou suas atividades ao público. Há um bom tempo. É como tentar vender maçãs-do-amor naquele que foi o bar mais promíscuo das redondezas. A prosa maldita cessou, só nos restaram alguns versos castos. E não sei como vou ganhar a vida. Nem a senhora.

5 comentários:

  1. Voltou com tudo meu amigo!!!! Adoreiii!

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  2. És grande, meu amigo. És grande!

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  3. Now you're just somebody that I used to know !

    until any day angel crazy

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    Respostas
    1. "A gente não percebe o amor
      Que se perde aos poucos sem virar carinho
      Guardar lá dentro amor não impede
      Que ele empedre mesmo crendo-se infinito
      Tornar o amor real é expulsá-lo de você
      Pra que ele possa ser de alguém"
      (N. R.)

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"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)