Feriado. 02 de novembro de 2011. Pouco dinheiro no bolso. Sem teto. Muitos amigos. Nenhum parente morto. Folga de última hora. Finados. Os túmulos de Quintana, Pessoa e Drummond muito longes. Nenhuma flor “roubável”. Exclusividades de Iemanjá.
Rua. Convite de alguns amigos: praia, casa, passeio. Recusa. “Cintilante do caminho. Sai do arco uma flecha. Em seu contorno fogo. Corpo que pode explodir”.
Ará é uma cidade que trata com benevolência escritores sem dinheiro. Ao menos no que se refere ao deslocamento. Com apenas Um Real, Doze Centavos e meio é possível circular em todas as partes, do desperdício na zona sul às mazelas da zona norte. As ruas do centro são as mais tristes, por trazerem lembranças felizes. Glória ao Sistema de Transporte Integrado. Amém.
Às mentes insólitas do espectador comum pode parecer programa de índio. Mas não a um observador literário. Onde todos vêem transeuntes, ele vê personagens. Acontecimentos atendem pelo codinome “Enredo”. Fatos? Podem ser duvidados. Dúvidas? Podem ser validadas.
Embarcou na zona norte. Programa agendado. Deteve-se por um momento no terminal da zona leste. Ponderou. Deixou ir em paz o ônibus. Pensa um pouco sobre a composição. Nenhum Satã para financiar charutos e vinhos. Atravessou para a outra plataforma. Centro. Lembranças boas, ruas agora taciturnas, chorando a ausência de estudantes, spleen. Um real compra dois saquinhos de amendoim adocicado que substitui café da manhã, almoço e engana a fome por mais algumas horas. Observa os mendigos. A um deles daria todo o dinheiro que tivesse, se o tivesse. Mas não deu.
Outro embarque. Durante todo o percurso ele pensa sobre a composição. Centro de consumo, passa reto. Terminal do Distrito Industrial. Bundas, coxas, peitos. Amendoim não. Toma outro ônibus. Centro de consumo, desce. Ao menos tem banheiro, água e leitura gratuitas. Ilusão. Livraria fechada, mercado fechado, banheiro como consolo. Espelho, ele amarra o cabelo e acha-se bonito, apesar da barba mal feita, apesar dos olhos vermelhos, das olheiras, das noites sem dormir, dos dias de má alimentação e boas bebedeiras. Apesares.
Parque. Gente feliz, cachorros, bolas, bicicletas, crianças, sombra, piqueniques, algazarra. Deita num banco, repousa e pensa sobre a composição.
Percurso inverso: centro de consumo, banheiro, Terminal do Distrito Industrial, centro triste, zona norte. Pega a chave da casa de um amigo, mas não se destina para o devido local. Em vez disso: Bar, doce lar, como cronicaria certo Sabino.
Pede uma cerveja e um cigarro. Senta naquela mesa ali da calçada, melhor lugar para ouvir enredos. Ignora o futebol da TV. Arreda as cadeiras dos seus acompanhantes que durante todo o dia pensaram sobre a composição. Brindam: ele, seu Macário e seu Penseroso. Escrever na 3ª pessoa consiste a forma mais exata de se esclarecer, embora não o faça com a devida qualidade estética que o faria por prosa poética, falseando a 1ª pessoa do singular.
Paga a cerveja, agradece. Ainda sobram alguns trocados pro café. Contudo é hora de deitar palavra no papel.
É fácil sentir cada momento que a frase para com um "ponto". Continuando..
ResponderExcluirA melhor hora do dia é quando a palavra encontra sossego no tumulto da voz.
ResponderExcluirBeijinho sempre com saudade!