terça-feira, 13 de setembro de 2011

Telegrama

À Tâmara mulher de todos os santos.


Aquela que primeiro me permitiu introduzir o texto em prosa. Minto, não foste a pioneira, mas a que mais me deste prazer no referido gênero. Abriu as páginas para mim e abrigou meus versos, furtando as intersecções entre eles e tornando o meu texto corrido, não me dava fôlego. Mostrou-me que era possível escrever d’outras formas sem, no entanto, abdicar da poesia. Não, não me esqueci de quem sempre me leu com olhos vorazes. É que a vida anda uma epopéia, um misto de tragédias gregas, cantigas trovadorescas e contos beckovskianos. Tentei de todo modo descansar nas crônicas do Braga, aquele velho plagiador que me antecedeu em 60 anos e publicou algumas colunas da minha vida num jornal, com mais qualidade estética do que este humilde escriba que vos fala. As coisas mais simples e valiosas ele publicou, aquelas andanças no centro da cidade olhando as coisas invisíveis, o movimento dos pombos, a singular beleza das moças que vêm e vão dentro dos ônibus que passam enquanto eu fico aqui dentro do lado de fora rememorando frutas e cores da infância. O Braga me roubou tudo isso. E nem posso reclamar, eu que tanto já surrupiei o Arnaldo, o Manoel, o Mario, o Chico, o Carlos... o Braga tem cem anos de perdão. Nada me resta senão continuar tecendo essa prosa marginal e procrastinar um tanto mais a minha liberdade.

Por vezes me encho de tudo isso, esse repetido timbre de escrita, sempre em prosa, sempre luxuriosa, sempre metalinguística. Mas é disso que pago o meu aluguel. Caso ainda não te contaram, eu ando sem teto agora, de paragem aqui e acolá, levando as letras na mochila e pagando estadia com poesia. Juro que eu queria abandonar mais este personagem, do mesmo modo que larguei mão daqueles, e ir-me aventurar em outros gêneros. É árdua essa profissão de cafetão, quem dera eu fosse poeta. E ainda que assim me chamem, com P maiúsculo, ao pé d’ouvido e em voz gemida, finjo acreditar só pra satisfazer quem lê por mais um tempo. Mas tenho consciência que nada sou além de um mal pago cafetão de palavras. E elas me cobram. Não me dão descanso, me dão tudo, menos descanso. Estão sempre à espreita, na rua, no bar, no quarto, no mar, na sala de aula, no ponto de ônibus, estão sempre ali mexendo no cabelo, fingindo não me notar, tomando sorvete ou fumando cigarros, marcando presença de modo a exigir o emprego na minha escrita. E eu que nunca usei esse bordel em benefício próprio tenho que repassar todas as oferendas às concubinas.

Bem sabes o quão egoísta eu sou, que as uso como pretexto estético para satisfazer minhas vontades, mas que no fundo escrevo para mim mesmo. E se até aqui usei a tua missiva para vangloriar-me dos próprios defeitos, é porque revogo a ti, Tâmara mulher de todos os santos, a culpa disso tudo! Se agora vivo assim como num livro, folheando páginas, traduzindo moças do italiano ao húngaro, a culpa é tua. Porque assim como você, assim como tu eu não tenho mais salvação.

Ah, você me paga!

3 comentários:

  1. Saudades dela e daquelas palavras que nos davam água na boca... A cada letra lida. Enquanto ela ia embora, sem aPAGAR a luz. Sumia por dias... Embriagava-se; voltava, abria outra porta, com outras luzes romanticas e nos alimentava novamente...

    Ah que saudade!Volta Tam!
    =*

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  2. AMEI. E 'CLARO', me vi presente =p
    Como sempre escreve 'divinamente' ainda que contradiga, principalment,e o radical por mim utilizado. ^^
    Patabéns!!!

    Ana*

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  3. Logo tu, nobre poeta, que me arrancou a roupa e fez abrigador das minhas coxas quando as águas do deserto deixassem em carne viva tais lábios que tanto beijei. Logo tu, nobre poeta que me cravou fundo na carne sua poesia e me deixou de pernas pro ar, porque era assim que tu gostavas de me ver gemendo seu nome num sussurro abafado, me cravando tão fundo tua poesia que me fez parir prosa pura e simples. Lambia meus mamilos pra dali fazer minar contos dos quais te alimentava e matava tua fome. Sem titubear, seguia o vale sem limites dos meus seios e ao encontrar meu umbigo, fazia girar um mundo que nem eu, nem você conhecia, mas nos encontrávamos...e, era ali, entre minhas coxas passava dias e dias em devoção à todos os santos que sabia de cor os nomes e mais alguns que a gente inventava só pra mudar de posição quando tu, afoito, avançava sobre mim e me fazia de cavalo soberano. Me atava, de quatro , no ato...e eu nem reclamava porque amor de poeta é assim...é dominador pra depois virar prosa na língua de moça que usa roupa de santa sem nada por baixo pra facilitar a prosa de boca a boca....

    Tâmara

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"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)