terça-feira, 6 de setembro de 2011

À pretexto,

“A palavra oral não dá rascunho” Manoel de Barros




... não se deixe levar pelo meu verso. Não leve tão a sério a minha prosa. Não me leve a mal. Se finjo ser um bom escritor, eis mais um bom motivo. Não acredite em escritores, não os leve a sério, o que eles querem é te levar para a cama, mirar na tua pele folhas alvas e te engravidar de livros.

Marques um acaso comigo e dir-te-ei, gaguejando e tímido, porém sem desviar o olhar, todas as verdades que desejas ouvir. Te falo ao pé do ouvido, suando frio e com o coração acelerado. Mas não leia a sério nenhuma palavra da minha escrita.

Deixe que eu te toque com as mãos, mas jamais admita que uma só palavra minha penetre em teu ser, pois assim estará corrompida para sempre, e quem o disse foi Neruda, um mentiroso mais sincero do que eu. Conceda apenas o afago dessas calejadas mãos de operário semântico, de modo que permanecerá intacta em sua pureza de menina doce.

Perdoa minhas orações, cesse aqui a leitura, vá para a cama sozinha e deixe fechados os livros. Não se reduza a mero pretexto para composições estéticas, pois até mesmo o mais singelo diálogo é pervertido pela minha impudica pena. Há variações hermenêuticas que a tua ciência exata é incapaz de compreender. Te contentes com os textos lineares, quase jornalísticos. Não adentre estes meios tabernários que simulo. Disseram-me certa feita: a poesia é um crime perfeito.

Declaro agora que te restituo a coroa, a janela, o vestido e a flor no cabelo.

“A palavra escrita não é para quem a ouve, busca quem a ouça; escolhe quem a entenda, e não se subordina a quem a escolhe”. Fernando Pessoa

7 comentários:

  1. muito bom, muito bom mesmo.

    a verdade é um problema, sinceridade.

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  2. Não importa o que digas... adoro te ler!

    Beijinho!

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  3. Incontestavelmente lindo...

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  4. de quanatas mentiras e vedades precisa o poeta para se desvelar? Muito bom!prazer em te ler.

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  5. "e quem o disse foi Neruda, um mentiroso mais sincero do que eu." AMEI o expando. rs

    "até mesmo o mais singelo diálogo é pervertido pela minha impudica pena.(não é difícil perceber) Há variações hermenêuticas que a tua ciência exata é incapaz de compreender." (ou finge não compreendê-la só pelo prazer de 'lê-la' em prosa) =p

    Ana*

    Disseram-me certa feita: a poesia é um crime perfeito.[2]

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  6. Há neste momento um poeta morto pela inveja...
    Perdoe-me, mas texto assim tão bem escrito é de dá inveja.
    Meus aplausos! Minha reverência!

    Emanuel Galvão

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"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)