quinta-feira, 22 de setembro de 2011

História de Fogo



“A palavra oral não dá rascunho” já dizia o Manoel de Barros. Consiste esse aforismo na mais pura simulação da verdade de que se tem notícia. Não dá rascunho porque não engravida de livros, a palavra oral é despretensiosa, irresponsável, se dedica apenas aos deleites momentâneos, depois se esvai e raramente resta alguma prova cabal do ato consumado, quando muito uma marca de batom se o orador em questão for um tanto quanto descuidado.
Por sua vez, a palavra escrita... ah, essa costuma prostrar o leitor no papel e abusá-lo em todas as posições sintáticas que o termo é capaz de exercer. Não satisfeita, exige ser alçada aos confins do vento e, por declamação, eis meu poema na tua boca outra vez, latejando de sentido. E um ou dois enunciados não bastam, é hora de deitar novamente, pois a pena em riste não cessa de escrever, lançando em teu ventre o sêmen do gosto pelas artes verbais. Incontáveis são os artifícios literários urdidos para que se cumpra religiosamente a estética da conjunção carnal. E deste modo caminha a humanidade: entre um e outro coito os homens se vão e o que fica, para além deles, são as palavras. É preciso reproduzi-las. Assim é a palavra escrita, ou finge ser. E o mesmo Manoel já dizia: “O verbo tem que pegar delírio”.

4 comentários:

  1. fã. (y)
    melhor autor em prosa poética do século XXI

    Ana*

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  2. Brincando com a palavras. Ousado, usado e até abusado. Esse seu caderno de rascunho deve ser um santo ou um grande pecado.

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  3. Sua inteligência e grade capacidade de brincar com as palavras, me fascina.
    Parabéns!

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"Respeitar o trabalho do outro consiste justamente em submetê-lo à crítica mais rigorosa" (José Borges Neto)