Não pensas que é empresa fácil reordenar estas palavras. Depois de algum tempo ausente, elas se recusam a exercer as funções sintáticas que outrora designei. Não me basta a inspiração, é necessário muito trabalho, trabalho árduo, as mãos calejadas pela pena sob sol a pino, trabalho estético, como esses operários mal remunerados do campo das letras entre os quais me disfarcei. Nenhuma delas agora me obedece aqui neste bordel. Se acaso deito alguma no papel, antes de cravar meu verbo e dar forma ao enunciado, me acusam de assédio semântico. Outras alegam em suas defesas que estão dentro do período. Outras ainda deram agora para compor orações, como se isso lhes aliviasse os pecados de outrora. Dissolutas! Libertinas! Não se sujeitam de modo algum às minhas sentenças. Algumas, ouvi dizer, nem estão mais aqui, segundo informações de terceiros, arranjaram algum velho decrépito que lhes sustentasse o ócio. Vejam só, como se não bastasse ainda perco clientes. Não possuo mais dicionário para exercer a função, de modo que não estou apto a agir dentro das normas. É de se levar em conta a possibilidade de me denunciarem. Não calculei ainda o prejuízo, muito provavelmente este antro foi condenado à falência. Não me resta mais nada agora senão juntar minhas coisas e ir fazer crônicas. Aqui jaz este velho boêmio que tão fielmente vos serviu, vai saindo taciturno, cabisbaixo, escada abaixo. Vai levando o seu sotaque e este olhar crônico sob todas as coisas despojadas de amor próprio, eis tudo o que tem agora. Mas repara, antes de ganhar a rua ainda revela: vai levando consigo um singular riso de poeta no canto da boca.
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Viva a voz rústica que (ar)risca poemas na praia com um galho seco...
ResponderExcluirBeijinho com saudade, poeta!
Estava fazendo falta, ô borracho!
ResponderExcluirE quando vamos tomarmos uma junto, Mr. Beck?
Mata aula qualquer dia aí, e avisa.
Abração