Há uma hora amena no bairro. Não sei lhe precisar qual é, pois nunca a olhei no relógio. A conheço pelo barulho e advirto: há uma hora amena no bairro. Em algum lugar da tarde, todos os dias quando se cruzam os ponteiros, eu deixo o texto e chego à janela do apartamento. Carros passam ao longe compondo inerte música de fundo, é sempre a mesma. Degrau por degrau a bengala de seu Aroldo desce as escadas, recebida pelo repetido cumprimento vago de um vizinho dos blocos do trás. Então eu já sei que o cachorro vai latir e subo meu olhar pela senda tortuosa que leva e traz as esperanças do morro, onde as crianças em algazarra jogam bola com traves de chinelo e quarto árbitro a postos no meio-fio. Pipas reclamam na vastidão do azul a falta de vento por causa dessa hora amena. Jovens descem com estampado sorriso de recente gozo e sem pressa se botam a pé no caminho da praia. Alguém encosta a bicicleta em frente à mercearia pra comprar cigarros e uma água sanitária. Sai e retorna perguntando se tem fósforo. Um gato se espreguiça em frente ao balcão. Um rádio no andar de baixo e volume mínimo se desliga, sem interferir na amenidade daquela hora. Um avião levanta o voo lento de seu monomotor pregando mais um pedaço no mosaico da tarde. O acompanho até a curva sempre pensando que não a fará para sumir no horizonte. Pouco tempo depois uma revoada silenciosa de garças encaixa a parte que faltava no sentido contrário como fosse um anúncio. Então o portão se abre e ela adentra dando boa tarde ao porteiro quando tira o capacete para ajeitar o cabelo. Me retiro da janela, verifico se tem café na garrafa térmica e volto ao texto para fazer de conta que estava trabalhando.
Penso que não importa quantos anos se passarem nem longitudes, sempre ouvirei o ruído daquela hora amena bem no meio da tarde e pararei o que estiver fazendo para espiar à janela, preso nesse vórtice temporal.