Vem cá, quero te enfiar um dedo de prosa. Revogo-te a culpa e atribuo-te a cura. Clamo-te uma vez mais a salvação. Nunca me viu assim sem poesia. Pois me falta. Dinheiro tenho. Mas nunca me senti tão pobre, comum, ordinário. Nunca me senti tão longe do mar como morando ao lado dele. E se vejo uma bailarina pela ciclovia que me sorri e me manda um beijo, não consigo tirar disso um só soneto. Noutros tempos me bastava imaginá-la. Noutros tempos prometia ébrios poemas para moças desconhecidas que avistava nos bondes, declarava-me nas gares, inventava mulheres, fazendo da carne de fulana um Mito, cultivando floridos jardins sob a pele e tornando a rede um leito, crepúsculo, firmamento, e a vingança era doce, a estante um altar, e compunha trovas, cortejos, inventava estórias que nem eu mesmo acredito mais, os regressos eram cativados com flores colhidas e olhos risonhos, da janela eu via tudo e desenhava nas nuvens ursos para o mais terno olhar colorir e a varanda girava, a morada eu levava nas costas e andava sem rumo nem dinheiro nem fôlego pra escrever assim desse jeito que só quer dizer que a minha vida era assim invirgulável e impontuável e sem nenhuma revisão ortográfica.
Foi então que adentrei uma taberna e avistei uma tela que julguei precipitadamente ser palavra: Esconjuro. “Ser dos prazeres mundanos é como colher flores na beira do abismo: muitas vezes o sujeito paga com a vida.” Enganou-me, era feita de tinta, a desgraçada, mas não tinha letras, mulher ilegível aos meus olhos desabituados à arte. Rubiácea esfumaçada da manhã fez esquecer-me de todas aquelas palavras alvas que outrora eu escrevia. Suspendi os jardins, desmistifiquei os labirintos, destronei as trovas. Tentei simular ainda adultérios, telegramas, escritos cênicos, furtivas viagens todas em vão. Foi-se embora o meu lirismo, só restou-me a maldição. E invadimos feudos, saqueamos aldeias, tomamos cidadelas devastadas, pilhamos navios mercantes e a esmo sopramos melodias indevidas pelas ruas.
Amor selvagem,
sem razão nem emoção,
é puro instinto.
Estou condenado à prosa,
minto.
Por isso eu te peço, mulher de todos os santos, que atenda aos meus telegramas. Escreva-me qualquer coisa, permita que eu penetre em teu ventre outra vez a minha pena, como tanto fazíamos fingindo ser a posse impura de um território, nativa & selvagem flor catequizada a ferro, flecha & fogo por meu verso cravado bem fundo no âmago da tua indecência. Conceda-me o verbo que te permeia, faz nas minhas veias o sulco que o arado faz na terra, espreme na minha boca o suco que encharca o pomo que te nomeia e faz da minha carne o teu rascunho, porque foi deste modo que sempre te comi: semanticamente. Quando lírico primaverei-me. Depois, maldito, ardi em brasa. Para curar-me, sendo um velho poeta sapiente, outonei-me. Agora minha estação está novamente aberta às tempestades. Invernar-te-ei.
Mal pude respirar...
ResponderExcluirme transferi para debaixo duma árvore de folhas grandes e amarelas e as palavras foram vento nos meus ouvidos, por sorte um blues iniciou no meu estar e voltei a mim mesmo.
ResponderExcluirabçs
ns
Erotismo e literatura, simplesmente inebriante!
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