
Tu, moça bonita, que se imaginou comigo na infância (e por isso me conhece bem), bem sabe o quão se faz árdua a minha intelecção. Este mundo é coercitivo, o que me obriga à despojar dos recursos de semiótica para dissimular...
Para ser um bom poeta tem que ter algo de mau. É fingir ser você mesmo e usar nomes alheios simplesmente porque rimam. Para ser um bom poeta, não precisa se explicar.
Ao poema, não resta ser nada além de um arquétipo do desejo em meus devaneios concupiscentes, ficar ali, estereotipado no papel como quem clama por qualquer vã interpretação. Então vem o leitor e o liberta:
_Vai, poema teimoso, ser gauche na vida!
E mesmo que meu corpo pertença à uma só mulher, meus vocábulos voluptuosos discorrerão nas bocas de homens e mulheres alheios...
Pois bem, andam dizendo por aí que sou poeta. Então, vou sibilando, fingindo ser isso mesmo e me iludindo com o que dizem os outros que iludi primeiro... ao tempo em que 'giro nas calhas de roda à entreter a razão' faço das sublimações dizeres não demasiado sibilinos para olhares mais vorazes... e das aliterações crio orgasmos fugidios nos poemas constantemente inacabados...
Se chego em casa tarde, minha mulher nem reclama mais ao constatar minhas mãos calejadas pela pena, um odor ébrio em minha boca ou alguma marca escarlate das entrelinhas na gola da camisa. Já deduz onde estive.
Escrevo pra não fumar. Escrevo porque não sei dançar...nem dizer. Escrevo como quem afaga um corpo no papel... já nem sei mais que relações promíscuas estabeleço com as palavras, são todas minhas amantes, minhas putas.