sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Blues

Who wants to play with me - acryl - por Theo Reijnders

Senhor, eu tive uma mulher...
Por mil diabos, é como se o texto travasse comigo uma batalha voraz. É como se a indomável criação, malfadada e ingrata, não se submetesse mais à pena do criador. Oh maldita e inóspita palavra!
Empresto meus ouvidos ao vendedor de livros, ao vendedor de flores, e me dou conta das agruras do mundo. Vou até o boteco mais sujo, peço uma cerveja, procuro no bolso um cigarro e me dou conta de que não fumo há uns três anos e pior, pior, senhores: é tudo tão descritivo, mera denotação! Pior, senhores, é tudo tão clichê! Sim, sim, admito: estou na moda, senhor. Eu, que sempre velho e blues atravessava a pé as madrugadas desta cidade, como um boêmio lobo de estepe ou mesmo um cachorro sem dona. Eu, que sempre pedia um café e me demorava nas gares e como um dedicado cronista das inutilezas acompanhava a geometria das linhas traçadas pelo voo dos pombos da praça do mercado central. Eu, que me detive no cais a ouvir conversas e violas dos estivadores, em troca de cachaça e alguns versos etílicos que nem cheguei a publicar. Este velho operário semântico mal assalariado pela hermenêutica burguesa e disforme de palavras já tão desgastadas pelo emprego informal neste prostíbulo há muito abandonado... está na moda. A poesia está na moda. Mas ninguém cuida dela como a gente fez esses anos todos, enquanto outras coisas estavam na moda.


Praguejo a todos os cantos: cuidem de outros contos, coloquem outras coisas na moda, me deixem em paz, diabos! Pois sabem todos que em breve a abandonarão sem ter-lhe acrescido nada. Então ela virá, toda prosa no meu colo e eu terei de curar-lhe as chagas e fazê-la verso outra vez.