segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Pedido de Casamento

Vem. Vem florear minha varanda, me abrir as venezianas e estender o sol no meu varal. Vem chover no meu telhado e escorrer pelas goteiras que não disponho baldes pela casa: sempre fui de me encharcar! Vem cercear no meu quintal o mato infenso que plantaremos tulipas, orquídeas e algumas ervas para o bom proveito. Vem cultivar em mim anoiteceres, regar meu sono e apanhar o revérbero da labuta em cada aurora. Vem dispor o riso sobre a mesa e deixar cair, no chão, os farelos, pra reviver ao varrer o entardecer. Vem compor pelos móveis jogos de sombra e luz que a lareira candente tessitura noite adentro. Vem acender, na sala, um incenso, enquanto eu te procuro nas estantes. E acho-te ali entre o arcaísmo da lavoura e as memórias de minhas putas tristes, eu receberia as piores notícias dos teus lindos lábios. E leio-te ao pé d’ouvido. E apago o abajur e adormeço também.
 
E já me vejo, noutro cômodo, a ler na rede enquanto você desabrocha de vestido na janela. E afagar-te-ei o corpo como quem tateia estrelas, ara a terra com fervor, colhe da árvore o pomo suculento. Seremos, num só ente, a pena e a tinta que talha a folha, deixando exaurido o tinteiro. Seremos o pincel e a matiz que sobre a tela se debruça soprando-lhe a vida superfície adentro e se entranha na moldura. Seremos as frações da cítara que no vento xucro monta e se moldura nas entranhas das flores campestres. Seremos a relva orvalhada dos prados sem limites da nossa imaginação. Seremos a obra e o olhar que inerte sobre ela repousa, contemplativo, perdido, perdidos de amor em desvario. O pão e a boca que dele se sustém. O grão ceifado e o leite recém parido do úbere ainda morno. O feno e as paixões que sobre ele se deitam. O chão de palha incinerado. A brasa irreversível do boró. A chama destinada no paiol. A uva que se entrega sob os pés. O vinho que se busca com as mãos, mas só na língua tem gozado o seu furor. Seremos tu e eu mais que nós dois.